A cada entrevista, uma nova emoção. Abrindo a segunda semana de "Mulheres Prateadas" com muita prata e cinza maravilhosa na cabeça, Fátima Cabral, mulher que planta sementes de paz e felicidade e colhe águas límpidas e produtos agroecológicos, mãe, avó e líder de sua comunidade no Pipiripau!
1.
Conte um pouco de você, Fátima, da sua trajetória de vida.
Cheguei em Brasília com 01 ano
hoje tenho 55 anos. Cresci
junto com a cidade, que amo profundamente. Casei com 18 anos, grávida sem saber nadinha da vida, cheia de
sonhos e com garra e
uma vontade muito grande de realizar, crescer, enriquecer, ser feliz,
ser livre.... Posso dizer que estou realizando meus sonhos.
Tenho uma família linda, 5 filhos, 5 netos e um tantão de amigos
queridos, que crescem à medida que vou caminhando e compartilhando o meu
caminhar. Vou seguindo pela vida à serviço de plantar boas sementes. Todo dia
renovo meus votos de ser feliz, crescer, amadurecer. Já experimentei muitas
ocupações profissionais ao longo
destes anos. Trabalhei no Serviço
Público Federal, comércio, marketing, vendas, produção de eventos, terapias alternativas,
treinamento de pessoal, RH, já fui palestrante, entre outros.
Hoje estou na área rural,
trabalhando em família, em transição agroecológica, mais uma vez
acreditando e realizando mais um
sonho, o de contribuir produzindo alimentos para um planeta mais saudável, responsável
e limpo.
Descobrindo e fortalecendo a cada dia, a minha verdadeira missão: cuidar
da natureza, plantar boas sementes, disseminar experiências e se possível viver
sabiamente, amorosamente e harmoniosamente.
2.
Qual é a relação que você tem com seu
cabelo?
Minha relação com o meu cabelo é o de um ser vivo, com vontades,
personalidade, emoção.... acompanha meus ciclos. Uma relação de amor, pois
sinto minha força e minhas fraquezas no meu cabelo. Ele expressa meu estado de
espírito. Já raspei a cabeça por 3 vezes, três iniciações.... a primeira aos 19
anos, no Candomblé, que fiquei linda, com a cabeça bem redondinha; depois em outra
iniciação na Floresta Amazônica aos 45, depois aos 52 para uma jornada na
Índia.
3.
Quando os primeiros fios de cabelo
branco/prata apareceram, como você reagiu e se sentiu?
Os primeiros cabelos brancos apareceram aos 15 anos, e não tive a menor
dúvida em arrancá-los, embora achasse um grande barato aqueles fios branquinhos,
bem grossos.... Diziam que quantos eu arrancasse, tantos nasceriam. E eu
arrancava pois tinha uma cabeleira tão cheia que não faziam falta.
4.
Com que freqüência você pintava seus
cabelos antes e de que cor(es)?
Comecei a pintar os cabelos aos 38 anos, Até então não me incomodava ter
alguns fios no meio da “Juba”. Mas das pinturas bimensais, mensais, quinzenais....
comecei a sentir uma escravidão, em ter que quinzenalmente ir ao salão. Bem,
comecei a pintar em casa, primeiro com Henna, que fazia uma lambuzeira danada.
Depois com Xampú tonalizante, depois com tintura. Experimentei todas as
cores: Vermelho, marrom, preto, castanho, cobre, loiro, até que um dia uma
experiência deu super errado, e fiquei com o cabelo cor de salsicha. Realmente
senti que não estava mais afim de tantas esquisitices. Além de começar a
ter uma consciência também com relação a química presente nas tinturas.
5.
Você tem noção de quanto economiza
deixando de pintar os cabelos?
Nunca fiz as contas de quanto estou economizando em não pintar mais os
cabelos, pois liberdade e aceitação não tem preço.
6.
Quais foram os motivos que levaram a esta decisão de deixar
seus fios brancos/pratas em paz?
Tentei algumas vezes deixar os fios em paz, mas com tanta pressão da
família e os olhares atravessados, não consegui manter a decisão. Acabava
voltando a pintar, mas me sentindo muito infeliz em não ter coragem de assumir
a minha escolha. Em 2010 resolvi deixar eles virem com força, se entrelaçando
aos pretos, mesclando, confiantes e livres de qualquer produto. Em 2012, cortei
bem curtinho para fazer uma viagem à Índia e a partir daí assumi mesmo esta saudável,
livre e amorosa aceitação do tempo em mim.
7.
Como os seus amigos, familiares e
estranhos reagem e reagiram a esta decisão?
Ainda existem pressões para que eu volte a pintar. A proposta mais
indecente foi a de uma afilhada querida que mora na Índia, que antes de eu
embarcar de volta para o Brasil, já sem grana nenhuma, e ainda com vontade de
comprar algumas coisas, me ofereceu um bom dinheiro em rúpias, e mais a tinta
que já estava lá com ela, para que eu pintasse os cabelos, e fizesse uma
surpresa ao chegar em casa. Resisti, ela aumentou o valor, e vou ser sincera :
balancei..... Mas não cedi, não por ego, nem para provar nada, apenas por ter
um respeito aos meus cabelos brancos. Eles são as minhas vivências, o meu
caminho, os meus encontros e desencontros... Me acompanham, amam, choram, e se
alegram comigo. São meus protetores, chegam junto onde eu vou, me
protegem.... Existem torcidas para os dois lados, alguns acham lindos, outros
acham terrível, e eu amo minha cabeleira.
8.
Como você se descreveria em relação
aos seus cabelos prateados e a maturidade?
Não costumo usar a palavra “nunca” nem “sempre”, pois elas são
muito determinantes, e sinto que prata é o destino dos meus cabelos, irem
prateando a minha existência, até o dia que de volta ao lar verdadeiro, já não
fazendo diferença, se são coloridos, curtos, compridos, ou brancos. Que a única
diferença seja o quanto eles amaram, o quanto eles se soltaram ao vento, o
quanto eles sonharam, o quanto eles realizaram, o quanto eles foram felizes e
livres. Quantos lugares eles conheceram, quantos afagos receberam e quanto
carinho eles transmitiram, quando cheirosos e bem lavados, macios e amorosas se
entrelaçaram nas vidas daqueles que amo.
Fátima, passeei com você por sua história. Muito bom! A liberdade que vem com a idade é preciosa!
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