segunda-feira, 20 de abril de 2015

Mulheres Prateadas: Fátima Cabral

A cada entrevista, uma nova emoção. Abrindo a segunda semana de "Mulheres Prateadas" com muita prata e cinza maravilhosa na cabeça,  Fátima Cabral, mulher que planta sementes de paz e felicidade e colhe águas límpidas e produtos agroecológicos, mãe, avó e líder de sua comunidade no Pipiripau!



1.    Conte um pouco  de você, Fátima, da sua trajetória de vida.

Cheguei em Brasília com 01 ano  hoje  tenho 55 anos. Cresci junto com a cidade, que amo profundamente. Casei  com 18 anos, grávida sem saber nadinha da vida, cheia de sonhos  e com garra  e  uma vontade muito grande de realizar, crescer, enriquecer, ser feliz, ser livre.... Posso dizer que estou realizando meus sonhos.

Tenho uma família linda, 5 filhos, 5 netos e um tantão de amigos queridos, que crescem à medida que vou caminhando e compartilhando o meu caminhar. Vou seguindo pela vida à serviço de plantar boas sementes. Todo dia renovo meus votos de ser feliz, crescer, amadurecer. Já experimentei muitas ocupações  profissionais ao longo destes  anos. Trabalhei no Serviço Público Federal, comércio, marketing, vendas, produção de eventos, terapias alternativas, treinamento de pessoal, RH, já fui palestrante, entre outros.
Hoje estou  na área rural, trabalhando em família, em transição agroecológica, mais uma vez acreditando  e realizando mais um sonho, o de contribuir produzindo alimentos para um planeta mais saudável, responsável e limpo.
Descobrindo e fortalecendo a cada dia, a minha verdadeira missão: cuidar da natureza, plantar boas sementes, disseminar experiências e se possível viver sabiamente, amorosamente e harmoniosamente.


2.    Qual é a relação que você tem com seu cabelo?

Minha relação com o meu cabelo é o de um ser vivo, com vontades, personalidade, emoção.... acompanha meus ciclos. Uma relação de amor, pois sinto minha força e minhas fraquezas no meu cabelo. Ele expressa meu estado de espírito. Já raspei a cabeça por 3 vezes, três iniciações.... a primeira aos 19 anos, no Candomblé, que fiquei linda, com a cabeça bem redondinha; depois em outra iniciação na Floresta Amazônica aos 45, depois aos  52 para uma jornada na Índia.

3.    Quando os primeiros fios de cabelo branco/prata apareceram, como você reagiu e se sentiu?

Os primeiros cabelos brancos apareceram aos 15 anos, e não tive a menor dúvida em arrancá-los, embora achasse um grande barato aqueles fios branquinhos, bem grossos.... Diziam que quantos eu arrancasse, tantos nasceriam. E eu arrancava pois tinha uma cabeleira tão cheia que não faziam falta.


4.    Com que freqüência você pintava seus cabelos antes e de que cor(es)?

Comecei a pintar os cabelos aos 38 anos, Até então não me incomodava ter alguns fios no meio da “Juba”. Mas das pinturas bimensais, mensais, quinzenais.... comecei a sentir uma escravidão, em ter que quinzenalmente ir ao salão. Bem, comecei a pintar em casa, primeiro com Henna, que fazia uma lambuzeira danada. Depois com Xampú tonalizante, depois com tintura. Experimentei todas as cores: Vermelho, marrom, preto, castanho, cobre, loiro, até que um dia uma experiência deu super errado, e fiquei com o cabelo cor de salsicha. Realmente senti que não estava mais afim de tantas esquisitices. Além de começar a ter uma consciência também com relação a química presente nas tinturas.

5.    Você tem noção de quanto economiza deixando de pintar os cabelos? 

Nunca fiz as contas de quanto estou economizando em não pintar mais os cabelos, pois liberdade e aceitação não tem preço.

6.     Quais foram os motivos que levaram a esta decisão de deixar seus fios brancos/pratas em paz?

Tentei algumas vezes deixar os fios em paz, mas com tanta pressão da família e os olhares atravessados, não consegui manter a decisão. Acabava voltando a pintar, mas me sentindo muito infeliz em não ter coragem de assumir a minha escolha. Em 2010 resolvi deixar eles virem com força, se entrelaçando aos pretos, mesclando, confiantes e livres de qualquer produto. Em 2012, cortei bem curtinho para fazer uma viagem à Índia e a partir daí assumi mesmo esta saudável, livre e amorosa aceitação do tempo em mim.

7.    Como os seus amigos, familiares e estranhos reagem e reagiram a esta decisão? 

Ainda existem pressões para que eu volte a pintar. A proposta mais indecente foi a de uma afilhada querida que mora na Índia, que antes de eu embarcar de volta para o Brasil, já sem grana nenhuma, e ainda com vontade de comprar algumas coisas, me ofereceu um bom dinheiro em rúpias, e mais a tinta que já estava lá com ela, para que eu pintasse os cabelos, e fizesse uma surpresa ao chegar em casa. Resisti, ela aumentou o valor, e vou ser sincera : balancei..... Mas não cedi, não por ego, nem para provar nada, apenas por ter um respeito aos meus cabelos brancos. Eles são as minhas vivências, o meu caminho, os meus encontros e desencontros... Me acompanham, amam, choram, e se alegram  comigo. São meus protetores, chegam junto onde eu vou, me protegem.... Existem torcidas para os dois lados, alguns acham lindos, outros acham terrível, e eu amo minha cabeleira.

8.    Como você se descreveria em relação aos seus cabelos prateados e a maturidade?
 
Não costumo usar a palavra “nunca” nem “sempre”, pois elas são muito determinantes, e sinto que prata é o destino dos meus cabelos, irem prateando a minha existência, até o dia que de volta ao lar verdadeiro, já não fazendo diferença, se são coloridos, curtos, compridos, ou brancos. Que a única diferença seja o quanto eles amaram, o quanto eles se soltaram ao vento, o quanto eles sonharam, o quanto eles realizaram, o quanto eles foram felizes e livres. Quantos lugares eles conheceram, quantos afagos receberam e quanto carinho eles transmitiram, quando cheirosos e bem lavados, macios e amorosas se entrelaçaram nas vidas daqueles que amo.






Um comentário:

  1. Fátima, passeei com você por sua história. Muito bom! A liberdade que vem com a idade é preciosa!

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